Práticas curriculares

 

Aqui é apresentado um comentário crítico sobre as práticas curriculares que considero mais adequadas para a avaliação das competências dos alunos. Foi elaborado  a 22 de Abril, após as leituras propostas na Sessão 6.

O currículo pode ser definido de várias formas conforme a “lente” que se usa para o efeito. Numa perspectiva histórica, tendo em conta o quê e como deve ser, podemos definir três teorias do currículo: tradicionais (associadas à primeira geração da avaliação – medida e descrição e às teorias académicas da aprendizagem), críticas (ligadas às gerações da avaliação da descrição e do julgamento e às teorias humanistas e sociais) e as pós-críticas (contemporâneas da quarta geração da avaliação – negociação e construção da avaliação e às teorias psicocognitivas, sociocognitivas e tecnológicas). Centrando-nos na actualidade em conexões entre conhecimento, identidade e poder, fixamo-nos na última teoria (Silva, 2000).

O currículo deve ter como objectivo a aquisição de saberes e competências que permitam a inserção futura dos alunos na sociedade, para assim se criar desenvolvimento e equilíbrio na mesma. Neste sentido, o conceito de currículo retoma da praxis os seus elementos constitutivos e por isso configura práticas transcurriculares reconhecendo o saber oculto (cumplicidade, fraternidade, solidariedade) como fundamental, redefinindo-se como “experiência de aprendizagem e de desenvolvimento para todos” (Sá-Chaves, 1999).

Depois de analisar a evolução histórica do conceito devo salientar a importância da construção do currículo num contexto social de reprodução (da cultura) e de produção (dos interesses políticos, sociais e profissionais). Cabe à escola, enquanto instituição (Roldão, 2000), promover o desenvolvimento curricular no sentido de aproximar: 1 – a teoria à prática, 2 – trabalhar o conceito de currículo como projecto e 3 – de forma colaborativa e autónoma, investir no desenvolvimento profissional dos professores (mentores e motores do processo).

Assim sendo, primeiro há que redefinir os conteúdos curriculares para a construção do conhecimento de forma estruturante e em termos de aprendizagem de processos de acesso, organização e uso de saberes. É necessário equilibrar o binómio curricular: os currículos nacionais que avaliam competências na e pela escola, com projectos curriculares de cada escola, com contextos socioculturais próprios. É necessário flexibilizar os currículos e geri-los com qualidade. Face à diversidade de públicos escolares, deve-se diferenciar e elevar a qualidade, deve-se procurar eficácia e qualidade, concentrar no processo e no produto. Assente neste referencial (Roldão, 2005), as práticas curriculares devem passar por:

1 - várias unidades de agrupamento e não apenas a turma;

2 - vários tipos de trabalho e não apenas exposição, aplicação, verificação de tarefas;

3 - organização do espaço e do tempo de formas diversas (pequenos grupos, pares, seminários, estágios, oficinas de trabalho, apresentações de professores e alunos, actividades determinadas e flexíveis em termos de tempo e espaço), não segmentação como critério da organização do tempo e do espaço, não exclusividade do professor sobre a sua sala de aula em termos de espaço e tempo;

4 – organização do trabalho dos professores em termos de a) disponibilização consistente e organizada de saber científico e de modos de a ele aceder, b) passagem de informação estruturante, c) tutorização de grupos de alunos e d) regulação constante do trabalho de todos os alunos;

5 – incorporação de outros agentes sociais de divulgação e cultura (para contrariar a proliferação da “cultura escolar”);

6 – regulação externa, face às competências e saberes assumidos como core curriculum, equitativamente tornado comum pelos programas nacionais (equilibrar o outro lado do binómio).

Para a construção deste conceito de currículo, é necessário agir/decidir a vários níveis: central (ministerial), institucional (escola/grupo de escolas), grupal (grupo de disciplina/área/informais de professores) e individual (professor).

Em síntese, para que a avaliação externa (da escola e dos alunos) e interna (da escola) atinja a meta, é necessário uma gestão, organização e desenvolvimento curricular eficientes. Como defende Luísa Alonso, através da investigação acção colaborativa/ desenvolvimento profissional, da aprendizagem construtiva significativa/ desenvolvimento pedagógico, duma escola que aprende/ desenvolvimento organizacional e do projecto curricular integrado/ desenvolvimento curricular, assumiremos o paradigma de diferenciação, flexibilidade e gestão curricular, o modelo reflexivo, construtivista e ecológico.

Sobre esta perspectiva, a formação ministrada nas Escolas Profissionais (EP), assentam em três princípios: orientação educativa diferenciada, apoio personalizado e significado formativo de avaliação. Isto traduz-se numa estrutura curricular modular que tem implicações a nível da concepção, da realização e do contexto enquanto comunidades de aprendizagem e de formação. Isto verifica-se nos princípios estruturantes e nas finalidades a nível da concepção; na planificação das actividades, no desenvolvimento curricular integrado, na avaliação do processo e do produto e na reflexão sobre a acção, a nível da realização; e numa nova forma de pensar e organizar a escola com novos papeis para professores, alunos, pais e comunidade, a nível do contexto. O currículo, nestas escolas, enquanto projecto, é um instrumento socializador, técnico e de renovação psicopedagógica, fundamentado em princípios cognitivos/construtivos/humanistas. Parte-se do conceito de módulo como unidade de aprendizagem autónoma integrada numa estrutura de conjunto coesa, “num todo em uníssono”. Sem condicionalismos nas barreiras – ano, pode-se organizar o currículo de diferentes formas: com módulos unidisciplinares e/ou macromódulos (podendo estes serem: integrados – conjunto de módulos de diferentes áreas de formação, pluridisciplinares – conjunto de módulos da mesma área, ou unidisciplinares – conjunto de módulos da mesma disciplina).

As práticas curriculares nas EP assentam (Orvalho e al., 1993):

1 – no papel do professor como facilitador, mediador, investigador e dirigente do processo de ensino;

2 – no papel do aluno como cooperante, responsável, persistente, empreendedor, com sentido crítico;

3 - na progressão seguindo um ritmo induzido por diferentes ambientes – tempos e espaços - de aprendizagem;

4 - na adaptação às necessidades da comunidade envolvente – modelo ecológico;

5 – na implicação do sucesso educativo implicando apoio personalizado, actividades de poio educativo, ênfase na avaliação formativa, duração da formação variável com as necessidades de cada aluno, para tingir os mesmos objectivos.

6 – na avaliação do processo e do produto/resultado final de cada aluno;

7 – no desenvolvimento do currículo aberto e flexível;

8 – no projecto educativo formativo, para além do programa pré determinado.

No caso particular da Escola Profissional e Artística do Vale do Ave (Artave), criada em 31 de Outubro de 1989 (Contrato-programa entre Ministério da Educação, Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão e Província Portuguesa da Companhia de Jesus) , a construção do currículo assenta tanto no papel regulador da administração central (D.L.4/98, portaria nº714/1990 de 21/08, portaria nº220/2007 de 01/03 e portaria nº221/2007 de 01/03; última alteração introduzida pela Reforma do Ensino Secundário, aprovada, pelo Decreto-Lei 74/2004, de 26 de Março, com as rectificações da Declaração de Rectificação n.º 44/2004 de 25 de Maio 2004/05, em que os cursos profissionais passam ser cursos de nível secundário de educação), como na reelaboração do currículo nos vários níveis (contexto social – institucional; disciplinas e áreas disciplinares – grupal; professor – individual) permitindo desenvolver um projecto curricular integrado.

A nível individual, como professora, para encontrar as práticas curriculares mais adequadas para a avaliação das competências dos alunos utilizo as questões:

 - Que precisa o aluno de saber (conteúdos e modos de organização) para resolver esta tarefa?

 - Como pode o aluno demonstrar a competência desenvolvida?

 - Que relações de conhecimentos tem o aluno de fazer para resolver esta questão?

 - Pode resolver a questão sem ter percebido a situação?

Sabendo que ensinar e avaliar são elementos interdependentes e indissociáveis, para melhorar a qualidade e a precisão da avaliação das competências dos alunos tenho de pensar na metodologia (Roldão, 2003) , preciso de:

- adequar objectivos e estratégias - cognição e acção – a cada situação, mobilizando e organizando o conhecimento,

 - conceber mais que uma planificação da aula (estratégias/ avaliação do processo e do produto/materiais/instrumentos a utilizar) face ao mesmo conteúdo para poder escolher a mais adequada na situação real;

 - levar os alunos à justificação fundamentada das opções e à concretização das acções requerendo mobilização, justificação e relacionação de diversos conhecimentos.

As práticas curriculares devem passar sobretudo pela avaliação formativa, autêntica e reflexiva. Avaliando tarefas contextualizadas, abordando problemas complexos, considerando os erros importantes para a construção de competências, utilizando colaboração, considerando estratégias cognitivas e metacognitivas, usando a auto-avaliação/auto-regulação, determinando os pontos fortes/aptidões dos alunos, contendo validade ecológica, utilizando múltiplos critérios de correcção/sugestão. Desta forma procuro avaliar não apenas a aquisição dos conteúdos mas as competências adquiridas ou não. Procuro avaliar se os alunos transformaram os conhecimentos em “saber em uso” (Perrenoud, 2000), se interiorizaram os conteúdos, se sabem usar a competência em causa e em que nível de apropriação da mesma se encontram.

 

BIBLIOGRAFIA:

ALONSO, L. (2000). A construção social do currículo: Uma abordagem ecológica e práxica. Revista da Educação, Vol. IX, nº1, 53-68.

ORVALHO, L. (1993). Organização e desenvolvimento curricular. In NACEM – Orvalho, L. (Coor.), Graça, M., Leite, E., Marçal, C., Silva, A. E Teixeira, A. A estrutura modular nas escolas profissionais. 2ª Edição (pp.22-25). Porto: GETAP. ME

PERRENOUD, P. (2000) Dez novas competências para leccionar. Porto Alegre: (Brasil): Artmed

ROLDÃO, M.C. (2000). O currículo escolar: da uniformidade à contextualização – campos e níveis de decisão curricular. Revista da Educação, Vol. IX, nº1, 81-89.

ROLDÃO, M. C. (2003). Gestão do Currículo e a Avaliação de Competências – As questões dos professores. Editorial Presença

ROLDÃO, M. C. (2005). Gerir o currículo é preciso – a questão da qualidade. In Roldão, M.C. (Coor.). Estudos de práticas de gestão do currículo. Que qualidade de ensino e de aprendizagem? (pp 11-22). Lisboa: UCP

SÁ-CHAVES, I. (1999). O currículo como meio e instrumento. In AEEP – Roldão, M.C. (Coor.). IV Fórum do Ensino particular e cooperativo. Currículo: gestão diferenciada e aprendizagens de qualidade. (pp.25 – 40).

SILVA, T.T. (2000). Teorias do currículo: o que é isto? In Tomaz Tadeu, Silva (Ed.), Teorias do Currículo Uma introdução crítica. pp. 9-16. Porto: Porto Editora.