Fundamentação 

teórica para o uso do portefólio como procedimento de avaliação formativa

 

“ A vivência do processo avaliativo é uma aprendizagem para toda a vida.”

Villas-Boas, 2006

O portefólio tem a característica própria de ser construída pelo aluno enquanto outros procedimentos avaliativos se centram em aspectos como a avaliação por parte do professor, informal (observação ou entrevistas) ou formal (provas ou apresentações de trabalhos).

Nesta unidade curricular (EAAI) a avaliação informal é utilizada em benefício da aprendizagem e da avaliação individual do aluno, de grupos na turma e da turma em si. O portefólio permite avaliar todas estas dimensões.

No processo avaliativo é necessário ter em conta a dimensão técnica (conteúdos), política (poderes e hierarquias), estética (sensibilidade e criação) e ética (respeito e solidariedade) e em EAAI foram tidos em conta dois procedimentos: o Portefólio e o Projecto de Intervenção. Neste capítulo, é no primeiro que me irei centrar. Com o Painel de Debate na segunda sessão da unidade curricular, percorremos três etapas:

1)      Pesquisa de modelos teóricos,

2)      Apresentação de conceitos após as leituras e investigação,

3)      Ideias para a construção do portefólio da unidade curricular de EAAI.

Posteriormente, na organização do portefólio, foi decidido, em grupos e depois pela turma com a orientação da professora, a sua estrutura:

Capa, Apresentação (da pessoa que está dentro do portefólio - pessoal, profissional e social), Fundamentação (teórica para o uso do portefólio como procedimento de avaliação formativa na unidade curricular EAAI), Evidências (de assiduidade, de aprendizagem, reflexões críticas , participações em painéis, júri de avaliações,...), Inovações introduzidas no trabalho pedagógico na escola /sala de aula, fruto da frequência deste mestrado, Formações Complementares (Seminários/Conferências/Palestras/Concertos), Outras produções - O projecto de intervenção, Conclusão (auto-avaliação), Anexos.

Segundo Hernández (2000), o portefólio é

“ (…) continente de diferentes classes de documentos (notas pessoais, experiências de aula, trabalhos pontuais, acompanhamento do processo de aprendizagem, conexões com outros temas fora da escola, representações visuais, dentre outros) que proporciona uma reflexão crítica do conhecimento construído, das estratégias utilizadas, e da disposição de quem o elabora em continuar aprendendo.”

Hernández salienta a utilização de diferentes linguagens (texto escrito, visual, conto, poesia, obra artística) e de diferentes materiais, em vários suportes (pastas, livros encadernados, cds, criações artísticas e/ou digitais). Foca ainda a reflexão crítica na construção do conhecimento, constituindo um registo do processo da construção do saber, objectivo primordial. Destaca por último “a reflexão e aprendizagem ao longo da vida” (Arends, 2008) ou, como denomina Perrenoud (2000), a “competência de administrar a sua própria formação contínua”.

A origem do conceito portefólio remonta à história das artes, o conjunto de trabalhos de artista (fotos de actor ou modelo). Neste sentido será mais adequado, actualmente, falar de dossier ou diário de bordo. A palavra remonta ao “portfolio” em Inglaterra, ao “porta-fólios” no Canadá ou ao “processo-fólio” com Gadner, como evidência de todo um processo. O conceito mais recente será o de webfólio, portefólio digital ou e-fólio. O conceito foi criado por Lieberman e Rueter (1997) e desenvolvido por Scherer (2002). As vantagens apresentadas neste novo suporte serão: a maior variedade de linguagens , maior segurança (pode-se fazer backup e não se perde informação no transporte), permite maior facilidade de armazenamento e manutenção. Numa directiva da União Europeia para a modernização da educação, seguiu-se em Portugal um programa denominado Ligar Portugal integrado no Plano Tecnológico do Governo que até 2010 pretendia entre muitos objectivos, generalizar o conceito de e-portfolio e aplicá-lo a todos os estudantes que terminassem a escolaridade obrigatória. Em Portugal, muito foi feito mas é sabido que há um longo caminho a percorrer ainda na sua eficaz implementação em todos os níveis de ensino e formação.

Destaco o livro  E-Portfolio in Education Practices and Reflections (2008) editado por Fernando Albuquerque Costa e Maria Adelina Laranjeiro, da Associação de Professores de Sintra, no âmbito do Projecto Digifolio.

Um artigo de destaque é The Use of Digital Portfolios in Distance Education to practice Senge´s Five Disciplines and prepare for the Learning Organization de Duarte Costa Pereira e João Carlos Paiva. Apoiando-se em Senge, sublinham que a linguagem do pensamento sistémico deve ser incentivada em todo o exercício e para este efeito, utilizam as cores do semáforo como metáfora.

Para síntese, tendo em consideração as várias perspectivas do conceito de portefólio, é possível organizá-los em quatro grupos:

1)      Particular (registo do professor acerca dos alunos);

2)      De aprendizagem (reflexão sobre o próprio);

3)      Demonstrativo (suma dos anteriores mais resultados dos crescimentos ou problemas persistentes);

4)      Webfólio (ou portfólio online).

Como foi dito anteriormente, já muito foi reflectido acerca do uso do portefólio como estratégia de avaliação formativa e neste sentido seguir-se-ão ideias de autores relevantes para o assunto: Domingues Fernandes, Idália Sá-Chaves e Villas-Boas.

Domingues Fernandes (1994) afirma que os portefólios:

“(…) Podem dar origem a uma outra cultura, a uma outra ideia de sala de aula: um local em que as aprendizagens se vão construindo em conjunto e individualmente ao ritmo de cada um, em que se reflecte e pensa, em que se valorizam as experiências, intuições e saberes de cada aluno, em que se acredita que as dificuldades podem ser superadas e em que, essencialmente, se aprende. Com mais ou menos esforço, mas sempre com gosto.”

O autor salienta as características do portefólio enquanto:

1) trabalho individual e de conjunto pois não constitui apenas um instrumento de avaliação mas antes um eixo orientador do trabalho pedagógico realizado em parceria e com co-responsabilidade (a quinta competência de Perrenoud, “trabalho em equipe”),

2) dispositivo de diferenciação para a justiça social/equidade,

3) motivação com reforço positivo nas forças dos estudantes, colocando expectativas elevadas e

4) prazer de aprender, motor da auto-estima.

Destaca a importância do portefólio no “ (…) alinhamento entre o currículo, as metodologias utilizadas e a avaliação, através de uma maior coincidência das tarefas de avaliação com as de aprendizagem” (Fernandes, 2005). Fernandes desenvolve esta perspectiva de portefólio como estratégia de avaliação formativa alternativa:

1)      autêntica – Sem constrangimentos de tempo na investigação e na elaboração de trabalhos, contextualizada, em cooperação com os outros, é realizado pelo próprio, num processo de auto-regulação/avaliação, de forma flexível.

2)      participativa – O professor não é o único a avaliar dando origem à auto-implicação (auto e hetero-avaliação);

3)      reflexiva – Com crítica ao próprio trabalho reformula-se, havendo a consciencialização do processo; num auto-controlo com motivação intrínseca continuada, desenvolve-se as competências metacognitivas.

 

Idália Sá-Chaves (2000) afirma que a utilização do portefólio na formação de professores “(…) é um processo que ultrapassa a dimensão epistémica para nos levar à reflexão ontológica sobre nós próprios, sobre nós nos outros e sobre os outros em nós.” O que é importante não é o portefólio em si, mas o que se aprende ao construi-lo; é um meio para atingir um fim e não um fim em si mesmo. O portefólio permite o conhecimento de nós mesmos.

O portefólio é utilizado como estratégia de:

1)      avaliação – recursiva (recorrente), sinérgica (realizada em conjunto) e centrada no aluno (sempre respeitando a diversidade);

2)      formação – numa óptica construtivista, num processo continuado e reflexivo, desenvolve-se em quatro dimensões: a) por um lado profissional, epistémica, relativa a conceitos científicos, b) por outro, individual, de carácter ontológico, relativo a conceitos pessoais, c) por outro ainda social, de grupo, de equipas, d) e finalmente, a dimensão criativa e artística.

Na construção do portefólio, o processo desenvolve-se em três fases:

1)      Planificação (prévia, segundo indicações da professora),

2)      Realização (controlo volitivo),

3)      Avaliação (auto-regulação).

É necessário ter consciência dos factores que podem afectar a construção do portefólio: a) tempo, b) alterações de poder (nova colaboração entre professor e alunos), c) indefinição (de conteúdos e estrutura), d) material (que se deve ou não incluir). Neste sentido destacam-se alguns autores:

Dommem (1994) acentua o portefólio “(…) pode cair numa palavra ruidosa se for visto numa errada perspectiva”, a da avaliação descritiva e esporádica, por exemplo.

Darling (2001) salienta as preocupações dos alunos que poderão afectar a construção: ansiedade acerca do objectivo da tarefa, falta de modelos na primeira fase, preparação académica insuficiente na criatividade e no cunho pessoal e subjectividade da avaliação.

Renée & Simon (2000) defendem que o sucesso da utilização depende dos professores: actividades e avaliação que usam, colocam informação relacionada, acreditam que alunos são capazes da auto-avaliação, aprendem a gerir tempo, contribui para a avaliação das escolas pois implica cooperação entre professores.

Villas-Boas (2006) apresenta algumas ideias que se verificam e dificultam o uso do portefólio: a ideia que é uma pasta de arquivo, que é um modismo na educação, um instrumento e não um procedimento, um processo demasiado trabalhoso que implica excesso de trabalho e esforço.

Relativamente às vantagens (Fernandes, 2005) podemos apontar o facto de:

1)      Abranger mais componentes de avaliação, fugindo da submissão dos alunos a uma avaliação alheia;

2)      Melhorar a ligação entre desenvolvimento curricular e avaliação;

3)      Contextualizar a avaliação ao invés da avaliação formal;

4)      Demonstrar evidências claras de aprendizagem,

5)      Reflectir de forma crítica,

6)      Melhorar a auto-estima,

7)      Identificar os progressos e as dificuldades,

8)      Tomar melhores decisões para um ensino diferenciado.

 

SÍNTESE DE IDEIAS-CHAVE:

Por se apoiar numa relação sinérgica entre sujeito e ambiente/espaços (nos dois sentidos), chamada por Bronfenbrenner por transacções ecológicas, o portefólio implica o desenvolvimento humano e o alargamento das redes de relações e conhecimentos.

O portefólio é um testemunho que acrescenta algo de novo; procura o desenvolvimento de competências (de investigação, de colaboração, de auto-regulação); é um processo de partilha periódica das escolhas, dos papéis e responsabilidades; constitui um processo de formação ontológica, epistemológica, social e artística.

Com ele, a avaliação é autêntica porque constitui um processo flexível, avalia-se as actividades diárias ao contrário da habitual avaliação esporádica e descritiva que não tem em conta antecedentes nem consequentes e apenas foca factos, ocorrências, casos. É participativareflexiva. Há um olhar e controlo interiores e ainda contém colaboração e diversidade dos participantes.

É a batuta do maestro ou o instrumento do músico, seja portefólio particular/do professor ou demonstrativo/do aluno.

Implica aprender com diferentes percursos, com a experiência e feedback dos outros. Nunca constitui um produto terminado, é um instrumento de trabalho em constante reformulação, de portas abertas, é um registo global de um percurso, um processo pessoal de aprendizagem, é por isso único.

Outras características presentes no portefólio relevantes na mudança para a avaliação emergente são:

a) ter significado (pois existe um fio condutor);

b) tem diversidade (de documentos, reflexões, fichas de leitura, brainstorming, glossários, fotografias, vídeos, bibliografias, comentários, auto e hetero-avaliação);

c) tudo com fundamentação do caminho escolhido;

d) com organização (documentos devidamente contextualizados);

e) com o condimento da criatividade;

f) num processo reflexivo levando à metacognição.

Agora é só contemplar as paisagens (os diferentes domínios), ser criativa no trabalho de marinheira (na diversidade da forma e na variedade das actividades orientadas), evidenciar rotas percorridas, mesmo que sejam as menos usuais (processos e produtos da aprendizagem, mesmo os mais turbulentos), revelar o meu desenvolvimento na selecção, análise e revisão das tarefas em alto mar e perder o medo por mostrar as minhas angústias pelo imenso oceano cada vez mais conhecido (integração do currículo e da avaliação, integração das competências já adquiridas através da aprendizagem em contexto de trabalho, flexibilidade de construção de percursos formativos, transversalidade da educação para a cidadania).

 

 

 

BIBLIOGRAFIA:

Arends, R. I. (2008). Aprender a Ensinar (livro e cd-rom). 7ª edição, Madrid: McGraw Hill Interamericana de Espanha, S.A.U.

Costa, F. A. & Laranjeiro, M. A. (2008). E-Portfolio in Education Practices and Reflections. Mem Martins: Associação de Professores de Sintra

Darling, L.F. (2001). Portfolio as pratice: the narratives of emerging teatchers. In Teatching and Teatcher Education, 1, (17), 107-121

Dommem, E. (1994). Développement durable: mots déclic. United Nations Conference on Trade and Development. Discussion Paper, 80.

Fernandes, D. et. al (1994). Portfolios: para uma avaliação mais autêntica, mais participada e mais reflexiva. In: Pensar avaliação, melhorar a aprendizagem. Lisboa: IIE.

Fernandes, D. (2005). O Portfólio como estratégia de avaliação formativa alternativa. In Fernandes, D. (2005). Avaliação das Aprendizagens: desafios às Teorias, Práticas e Políticas. Educação Hoje (pp86-88). Porto: Texto Editores.

Fernandes, D. (2006). Para uma teoria da avaliação formativa, Revista Portuguesa de Educação, CIEd - Universidade do Minho, 19(2), pp. 21-50

Hernández, F. (2000). Cultura Visual, mudança educativa e projeto de trabalho. Porto Alegre: Artmed

Lieberman, D.A. & Rueter, J. (1997). The electronically augmented teaching portfolio. In P. Seldin (Ed.), 2ª  Edição. The teaching portfolio: A practical guide to improved performance and promotion/tenure decisions (pp. 47-57). Bolton: Anker Publishing.

Pereira, D. C. & Paiva, J. C. The Use of Digital Portfolios in Distance Education to practice Senge´s Five Disciplines and prepare for the Learning Organization. Departamento de Química – Faculdade de Ciências – Universidade do Porto, Centro Multimédia da Universidade do Porto.

Perrenoud (2000). 10 novas competências para ensinar. Porto Alegre (Brasil): Artmed

Renée, F. G. & Simon, M. (2000). Organizational issues related to potfolio assessment implementation in the classroom. In Practical Assessment, Research and Evalution, 7 (4)

Sá-Chaves, I. (2000). Portfólios Reflexivos: Estratégia de Formação e Supervisão. Aveiro: UA.

Scherer, B. (2002). Portfolio Construction and Risk Budgeting. London: Risk Books

Villas Boas, B. M. F. (2006). Portefólio, Avaliação e Trabalho Pedagógico. Porto: Edições Asa                                                                                                  

17 Junho 2010