Ensinar, educar e integrar pela música

 

Após a Sessão 2, de EAAII, preparei uma pequena comunicação sobre o Estado da Educação 2010, Percursos Escolares. 

Título: Ensinar, educar e integrar pela música

 

Autora: Raquel Costa

Mestranda em Ciências da Educação/Ensino Especializado da Música

FEP/EA da UCP, Pólo Regional do Porto

raquelcosta@artave.pt

Resumo: Reconhecendo a diversidade inerente ao ser humano, o professor precisa mobilizar diferentes formas de trabalho para estruturar acções educativas condizentes com a realidade de cada aluno. De acordo com as metas a que Portugal se propôs atingir até 2015 e 2020 a escola tem de cumprir objectivos nos vários domínios. Nesta comunicação pretende-se apresentar um retrato sobre as práticas de ensino: avanços, problemas e desafios, para proporcionar a todos os alunos uma aprendizagem de qualidade que contribua para a sua realização pessoal e profissional.  Este retrato centra-se na reflexão e análise do trabalho realizado com a classe de alunos de uma professora das disciplinas de violino, trabalho individual, naipe e música de câmara, na Escola Profissional Artística do Vale do Ave.

Assim, pretende-se reflectir e debater sobre: Como melhorar o desempenho docente. De que forma a criatividade pode contribuir para a inovação pedagógica. Na prática, como trabalhar com a diversidade dos alunos, respeitando e valorizando as diferenças. Como isto se concretiza no ensino do instrumento.  

Com esta reflexão espera-se contribuir para a melhoria das práticas educativas nas escolas profissionais de música através da abordagem de um percurso escolar e experiência profissional que poderá ser considerada uma estratégica para a inovação e mudança, na concretização de uma escola aprendente ao serviço da nova sociedade.

Palavras-Chave: Ensino nas Escolas Profissionais de Música, Percurso Escolar, Práticas educativas, Inovação e mudança educacional

Área temática: Estratégias e práticas educativas para uma abordagem construtivista da educação contemporânea

Abstract: Recognizing the diversity inherent in human beings, the teacher needs to mobilize different forms of work to structure educational activities consistent with the reality of each student. In accordance with the goals to which Portugal is proposed to achieve by 2015 and 2020 the school has to meet targets in several areas. This communication is intended to present a portrait of the practice: advances, problems and challenges, to provide all students a quality learning that contribute to their personal and professional fulfillment. This picture focuses on reflection and analysis of work done with the class of students from the disciplines of a violin teacher, individual work and chamber music at the Vale do Ave Professional Artistic School. We intend to reflect on and discuss: how to improve teacher performance. How creativity can contribute to educational innovation. In practice, working with the diversity of students, respecting and valuing differences. How this is realized in the teaching of the instrument.
With this reflection is expected to contribute to the improvement of educational practices in the professional schools of music over the approach of an educational background and professional experience that could be considered a strategic innovation and change, in pursuit of a school learner for the new form society.

Avanços

 

O conhecimento das experiências inovadoras e das competências construídas no trabalho quotidiano, por nós professores, pode oferecer elementos valiosos para pensar as possibilidades de transformação da escola. Neste sentido, procurei reflectir sobre a minha prática educativa.

 “A gente olha mas não vê, a gente vê, mas não percebe, a gente percebe, mas não sente, a gente sente, mas não ama e, se a gente não ama a criança, a vida que ela representa, as infinitas possibilidades de manifestação dessa vida que ela traz, a gente não investe nessa vida, e se a gente não investe nessa vida, a gente não educa e se a gente não educa no espaço/tempo de educar, a gente mata, ou melhor, a gente não educa para a vida; a gente educa para a morte das infinitas possibilidades. A gente educa (se é que se pode dizer assim) para uma morte em vida: a invisibilidade.” (Trindade, 2000, p. 9).

É necessário que se considere que ao aprender violino, ou qualquer outro campo de conhecimento, cada pessoa atribui significados próprios aquilo que aprende, reconstruindo seus saberes a partir do que já conhece: a diversidade é inerente ao ser humano. Por outro lado, porque o todo é indivisível, devemos estar sensíveis ao todo que cada aluno é: aos seus interesses, às suas motivações, às suas dificuldades e aos diferentes níveis das várias inteligências que possui. Temos sim de investir em cada aluno, educar para a vida através da criatividade desenvolvendo a arte da possibilidade. Por vezes esquecemo-nos que a missão específica da escola é ensinar, educar, integrar e não apenas colocar alunos a tocar bem e a ganhar concursos.

Portugal assumiu compromissos de convergência em relação a algumas das metas definidas no Programa Educação 2015, no Quadro Estratégico EF2020 da EU e no Projecto Metas Educativas 2021da OEI (Organização dos Estados Ibero Americanos). Com a intenção de melhorar a eficiência dos sistemas de educação e formação, estes programas prosseguem objectivos comuns e adoptam metodologias idênticas para a próxima década. Apesar destes iniciativas medirem o sucesso escolar com percentagens, olhando para as reprovações e não para o processo desenvolvido com cada indivíduo, não considerando o meio sócio-económico em que está envolvido, o CNE demonstrou, sem dúvida, a preocupação no “ (…) acesso aos diferentes níveis e graus de ensino, a promoção da equidade tendo em conta os diferentes grupos sociais de origem e a qualidade das aprendizagens realizadas”. (Conselho Nacional de Educação, Recomendação n.º 2/2010, O Estado da Educação 2010. Percursos Escolares).

As minhas vivências como violinista e como professora estão todas relacionadas, contribuindo positivamente na minha formação. Tocar em orquestra e música de câmara deu-me a noção de conjunto, apresentar-me em público, a segurança no próprio “fazer musical” e, através da Universidade, obtive (e procuro obter) um ensino musical direccionado. Por outro, enquanto professora (13 anos) considero que muito aprendi com a experiência dentro e fora da sala de aula. Quero com isto dizer que aprendi a ouvir de verdade o que os alunos pensam, a considerar importante as suas diferentes etapas de desenvolvimento e de como em diferentes situações interagem de diferente forma com o conhecimento musical.

Procurando inovar e em colaboração com colegas elaboramos uma Oficina de Trabalho de Inovação e Desenvolvimento Profissional com o tema: “O desafio da Avaliação Formativa e as suas implicações no trabalho pedagógico”. Apesar de ter sido muito enriquecedor para todos os participantes, até esta prática se tornar corrente, um duro percurso há que realizar. Nas organizações, as mudanças dos modelos mentais são processos lentos, porque qualquer inovação que mexa com a rotina causa transtorno e, depois da aceitação, necessita adaptação e tempo.

Problemas

Um problema surgirá no domínio do grau de empregabilidade das formações profissionalizantes, pois a Organização dos Estados Ibero Americanos colocou como meta para 2021, entre 50% e 75% dos jovens que terminarem formações em Cursos Profissionais e CEF, serem inseridos no mercado de trabalho, em áreas associadas à  formação frequentada. Ora, no caso das Escolas Profissionais de Música isso não poderá, nem deverá acontecer, uma vez que a formação adquirida com o nível III, é insuficiente para ingressar numa orquestra profissional ou por exemplo para leccionar nas AEC (como infelizmente hoje se verifica, educadores nestas actividades com formação inadequada). O ensino do instrumento é uma área que necessita de tempo para aprender e por muito bom trabalho e resultados que a ARTAVE apresente, é necessário mais formação, treino, tempo, para a inserção no mundo do trabalho dos seus alunos. 

Outro problema poderá ser o impacto da redução do orçamento da educação previsto para 2011, ter-se-á ainda de analisar em profundidade as medidas inscritas na proposta de lei, mas Ana Bettencourt deseja que não ponham em causa os apoios aos alunos que mais precisam. A despesa prevista para o Ministério da Educação vai sofrer um corte de 11,2% em 2011 face à execução estimada para este ano, ficando com menos 800 milhões de euros para gastar. Segundo a proposta do Orçamento do Estado para 2011, a despesa total consolidada do ministério de Isabel Alçada é de 6 391 milhões de euros. O CNE no documento que elaborou afirma que a educação e a ciência são "garantia de futuro" defendendo que uma educação de qualidade para todos constitui "uma alavanca para sair da crise".

Tal como propõe o Quadro Estratégico para a Cooperação Europeia, no domínio da Educação e Formação (EF2020) da União Europeia e, com o objectivo de “assegurar que todos os alunos atinjam um nível adequado de competências em Leitura, Matemática e Ciências”, poderei criar mais actividades significativas de relacionamento das obras que estudam e têm de executar (competências que têm de adquirir) com investigação acerca dos intérpretes que as gravaram, das suas diferenças, do contexto histórico, científico e artístico em que as obras foram escritas, a vida e a obra do compositor, associar a análise da obra enquanto linguagem (leitura) e estrutura (matemática). Pois até 2020, a percentagem de alunos de 15 anos com fraco aproveitamento em leitura, matemática e ciências deverá ser inferior a 15% (EF2020).

Outro desafio será levar a “aumentar a participação de jovens e adultos em programas de formação contínua presencial e à distância” (METAS EDUCATIVAS 2021 OEI5). Os alunos na ARTAVE têm um horário muito preenchido e pouco tempo lhes sobra para estarem com as suas famílias e “respirarem outros ares” que não a música. De qualquer das formas poder-se-á investigar sobre actividades relacionadas com o teatro e a dança (para desenvolver a presença no palco) ou outras actividades que motivem a cultura geral, o desenvolvimento da mente e simultaneamente tragam prazer na aprendizagem. Relativamente aos adultos/pais é sabido que pouco numerário e escasso tempo resta para estarem com os seus educandos, mas poder-se-á incentivar à participação em aulas de música (coro ou instrumento) para acompanharem os filhos, se integrarem das dificuldades e vantagens de aprender numa escola de música. Sobretudo há que motivar e criar vontade para aprender, não por necessidade mas por bem-estar. Com os adultos/músicos o desafio não parece tão árduo, pois existe mais abertura para a aprendizagem ao longo da vida, no entanto verifica-se muita insegurança na postura dos docentes de música: uma valorização excessiva na execução, no desempenho em palco, uma desvalorização do processo e dos meios para atingir tal perfeição técnica. O lado humano e construtivo é de facto posto muitas vezes de lado em detrimento da apresentação pública final, da avaliação final. Mas onde está a beleza afinal? Não é esta uma das características definidoras das criações artísticas? Onde está a criatividade? Se a nível desportivo se exige um alto nível no desempenho, a nível da execução musical também, mas onde está a música afinal? Perdeu-se algures no processo de crescimento e aprendizagem… Afinal parece faltar a essência: falta música na música.

Ken Robinson, uma referência nas áreas da educação e da criatividade, afirma:

“Todos nascemos com extraordinárias capacidades de imaginação e criatividade. À medida que crescemos, tendemos a esquecê-las e a deixar de as explorar. Quando tiramos partido dessas faculdades, fazemos aquilo que realmente nos apaixona e vivemos o nosso tempo de forma plena. Entramos no nosso Elemento, o ponto onde fazemos o que realmente queremos fazer e onde somos a pessoa que sempre quisemos ser.” (Robinson, 2010)

Para a escola se desenvolver há que estimular o envolvimento dos colegas, divulgando e compartilhando as estratégias para cada aluno e mobilizando-nos para a sua execução. Por outro há que estimular a implicação das famílias e das comunidades, sensibilizando-as para prestarem apoio ao desenvolvimento das competências básicas das crianças, por exemplo em actividades de leitura em família e no incentivo ao estudo e treino do instrumento.

Como disse anteriormente, com especial relevo para as actividades curriculares na sala de aula, selecciono actividades e práticas pedagógicas focadas nas metas a atingir, monitorizando os resultados. Como desafio, poderei investir mais no trabalho realizado noutros contextos e, enquanto Responsável do Curso Básico de Cordas, no acompanhamento de alunos com mais dificuldades, ajustando a intervenção em função da avaliação.

O último desafio a que me proponho é acompanhar e analisar os resultados obtidos pela escola e a leitura das iniciativas realizadas por outras escolas profissionais de música, recorrendo aos balanços de resultados e ao confronto das metas anuais com a informação disponibilizada pelo ME (Ministério da Educação) e POPH (Programa Operacional Potencial Humano).

Considero este “auto-retrato” do desempenho, para mim mesma e para os educadores que ensinam música (instrumento) nas escolas, é deveras importante para que possamos todos aprender com a prática uns dos outros.

Poder-se-á realizar um trabalho de investigação mais aprofundado filmando aulas e mostrando-as posteriormente aos respectivos professores. Os dados poderão ser obtidos através de observações, entrevistas semi-estruturadas e entrevistas de estimulação de recordação realizando-se estas enquanto o professor assiste à sua própria aula em vídeo. Reflectindo sobre a aula enquanto a observa, o professor poderá expor, explicar e interpretar a sua acção quotidiana na sala de aula. Reflectindo com criatividade poderá mudar, melhorar. Desta forma, educação e criatividade andam de mãos dadas. E como afirma António Damásio (2010), esta união é essencial para a construção de sociedades mais flexíveis e produtivas, compostas por pessoas felizes.

 

Referências bibliográficas:

Conselho Nacional de Educação, Recomendação n.º 2/2010, de 19 de Julho - Recomendação sobre O Estado da Educação 2010 Percursos Escolares

Damásio, A. (2010). O Livro da Consciência. Temas e Debates/Círculo de Leitores

Despacho n.º 16034/2010, de 22 de Outubro - Padrões de desempenho docente

Gaspar, T. Lá fora, Cooperação Europeia em Educação e Formação: O Quadro Estratégico para 2020, Revista Noesis, 80, 14-17

Ministério da Educação, Programa Educação e Formação 2015

Parecer nº5/2010 do Conselho Nacional de Educação – Metas educativas para 2021 (OEI)

Robinson, K. (2010). O Elemento. Porto: Porto Editora

TRINDADE, A. L. (2000). Olhando com o coração e sentindo com o corpo inteiro no quotidiano escolar. In: TRINDADE, A. L. & SANTOS, R. (orgs). Multiculturalismo: mil e uma faces da escola. Rio de Janeiro: DP & A, p. 7-16.