De onde vem não tem de determinar até onde se vai

 

Nuno Crato escreveu a 17 de Abril de 2010, um artigo no Expresso intitulado “O melhor professor da América", a 30 do mesmo mês, após a Sessão 7, apresentei o meu ponto de vista acerca da sua afirmação: “De onde vem não tem de determinar até onde se vai”.

 “De onde vem não tem de determinar até onde se vai”, é acreditar que todos são capazes, é confirmar o princípio-chave da pedagogia diferenciada e defender a escola inclusiva.

Antonin DvorakGiacomo PucciniIsaac AlbénizCarl NielsenGeorge Gershwin

De onde vem não tem de determinar até onde se vai” é lembrar compositores/músicos como Antonin Dvorak que aos 11 anos começou a aprender o ofício de talhante, Giacomo Puccini que até aos 16 anos, na escola não parecia muito prometedor nem dedicado, Isaac Albéniz que não foi aceite no Conservatório de Paris por ter atirado uma bola pela janela, Carl Nielsen que suplementava o rendimento da família cuidando de gansos, Gustav Malher que teve uma infância traumática com pai severo, George Gershwin que nasceu no seio de uma família de judeus pobres em Manhattan e teve pouco contacto com a música na sua meninice. É lembrar grandes lieders e gestores como o actual Presidente da República Portuguesa, filho de um pequeno proprietário de Boliqueime, Oliveira Salazar, Presidente do Governo Português, quarenta e oito anos, filho de um rendeiro de terra, de Santa Comba Dão, Belmiro de Azevedo filho de um carpinteiro, de Tuías, Marco de Canaveses, entre tantos outros modelos de pequenos a grandes Homens.

Destes exemplos, salienta-se a capacidade volitiva de cada indivíduo e do com quem aprende, logo falamos do como isso se alcança ou não.

A vontade relaciona-se directamente com a motivação intrínseca e extrínseca. A primeira depende do aluno enquanto indivíduo, a segunda do ambiente em que cresce, da escola e nomeadamente do professor. Este realiza eficazmente o seu papel quando procura formação/actualização dos conhecimentos, quando se disponibiliza para além do horário e, quando incute confiança demonstrando acreditar nas capacidades dos alunos e no desenvolvimento pelo trabalho das mesmas. Para tudo isto é necessária a vontade (novamente motivação) do professor em querer ser cada vez melhor (a nível científico, técnico, pedagógico e pessoal), no acreditar no outro, que nas suas mãos, tal como nas de um cirurgião, estão vidas de seres humanos, as pessoas, futuros da sociedade. “Ganas” de Jaime Escalante, “arte da possibilidade” de Zander , “dedicação e tranquilidade” de Alexandre Costa (Prémio Nacional de Professores) ou simplesmente paixão de ensinar, aprender e partilhar, são requisitos fundamentais para se encontrar o bom professor e por consequência os bons alunos. As estratégias a seguir podem passar por utilizar diferentes materiais/recursos: podem ser carrinhos de brinquedos, truques de cartas ou as tecnologias da informação e comunicação. Proporcionar actividades significativas em variados espaços e tempos. Trata-se de procurar estratégias diferenciadas e inovadoras, passa por trazer para a prática a realidade dos contextos, tendo em consideração os conteúdos e os objectivos a atingir. Seja com exemplos do dia a dia, com metáforas mais adequadas a cada individuo, com formação de diferentes geometrias: pares/grupos de trabalho, usando actividades sobrepostas, diferenciando currículos, compactando currículo e instrução, articulando os currículos prescritos das disciplinas, planificando para uma aprendizagem integrada, baseada em problemas. Trata-se de avaliar de forma formativa para que haja um progresso contínuo de construtivo de competências, de conhecimentos, de procedimentos, de atitudes, de inteligências. No fundo, trata-se de uma procura incessante de nos “pormos na pele dos alunos”, de trazer significado prático das matérias a ensinar. Através da construção de projectos pessoais e/ou comuns com professor, aluno e sociedade, a educação deve procurar a realização plena do indivíduo e do seu potencial inerente, procurar o desenvolvimento humano para “fazer de cada homem mil homens” (Antunes, 1997). Assim sim, teremos um desenvolvimento pessoal, social e económico sustentado.

Na Revista Escola, um artigo da autoria de Ana Rita Martins, Beatriz Santomauro e Rodrigo Ratier, de Outubro de 2008, apoiado num estudo da consultoria americana McKinsey, intitulado - Como os Sistemas Escolares de Melhor Desempenho do Mundo Chegaram ao Topo - refere que os países com os melhores sistemas educacionais são a Coreia do Sul, Finlândia e Japão.

“(…) Na Coreia do Sul, os futuros professores do Ensino Fundamental são seleccionados entre os 5% dos alunos com melhor desempenho no Ensino Médio. Como os salários da carreira são bons e as vagas em universidades são poucas - apenas 6 mil por ano (…), a concorrência é grande. Os candidatos só garantem um lugar na graduação após terem o seu histórico escolar avaliado e tirarem pontos altíssimos numa prova. Contam também para a selecção o conhecimento em línguas, matemática e as habilidades de comunicação, básicas para quem ensina. O número de alunos que frequentam os cursos superiores atende apenas à demanda para que todos tenham um trabalho garantido. Concluir essa etapa da formação também não é fácil. São quatro anos em período integral, com estágios em escolas que funcionam dentro da universidade, onde os futuros professores são acompanhados por tutores. Terminada a graduação, é hora de fazer o mestrado - uma formação obrigatória para leccionar.”

Na Finlândia fica evidente a diferença de atenção dada aos conteúdos e às didácticas da Educação Básica: a carga horária relacionada com o "quê" e "como" ensinar é grande. Por outro lado procura a qualidade para todos e para cada um.

“O "milagre" finlandês atende pelo nome de Educação Especial, que se divide em duas modalidades de ensino. A primeira, que atende cerca de 8% dos estudantes, é organizada para auxiliar aqueles com deficiências físicas, mentais ou emocionais mais graves. A segunda, frequentada por um em cada três alunos, é um reforço para além do horário para quem tem dificuldades leves de adaptação ou de aprendizado, especialmente em línguas e matemática. (…) Professores das duas modalidades de Educação Especial são muitos: há um deles para cada sete educadores regulares. Esses profissionais passam por uma formação diferenciada: frequentam um curso universitário específico, que dura cinco anos em período integral. (…) Entretanto, não basta recrutar os melhores professores e formá-los bem. É preciso mantê-los sempre actualizados. Tutoria, trabalhos em grupo, cursos sobre as didácticas específicas... Existem várias maneiras de criar e disseminar as melhores estratégias de ensino. O impacto dessas iniciativas na aprendizagem costuma ser directo - e rápido. Em apenas três anos, o Reino Unido conseguiu o aumento de 12 pontos percentuais nos índices de alfabetização ao apostar na formação continuada de seus educadores. (…) O Japão é um dos países mais avançados nesta área: aqui a formação não acaba nunca. É comum os docentes elaborarem e planearem o material didáctico juntos, assim como visitarem a sala de aula dos colegas para observarem o seu trabalho. Também existem iniciativas especialmente voltadas para a formação em serviço.”

Neste artigo as conclusões são sintetizadas em quatro pontos: 1) seleccionar os melhores professores; 2) cuidar da formação docente; 3) não deixar nenhum aluno para trás e 4) capacitar equipas de gestores. Com excepção desta última medida, relativa à importância da liderança escolar, as outras três confirmam algo que inúmeros estudos anteriores já apontavam: a qualidade do professor é a característica que mais influencia a aprendizagem (Morgado, 2006).

O professor, enquanto reconhecido como pessoa autónoma, autor e criador, com mestria no seu desempenho e meta bem definida – ensino eficaz –, será o melhor professor de cada um dos seus alunos. “De onde vem não tem de determinar até onde se vai” porque muito passa pela nossa acção (enquanto professores, pais e cidadãos) perante as condicionantes a que estamos confrontados.

A propósito, lembro uma história citada por Morgado (2006): “Havendo fogo na floresta, um dos seus habitantes mais pequenos, o colibri, enchia repetidamente o bico de água e lançava-a sobre as chamas. Um outro pássaro bem maior e perante tal azáfama interroga-o: A apagar o fogo com um bico desse tamanho? Obteve como resposta: ESTOU A FAZER A MINHA PARTE.”